A menina do pinhal
Era uma vez uma mulher, velha, muito velha, velhinha mesmo…
Era uma vez uma velhaque bem contava uma história:uma história muito linda que ela tinha de memória.
Esta mulher, velha, muito velha, velhinha mesmo, era avó de muitos netos. Netos que, à volta do mundo, a ouviam contar.
E a avó contava, contava, devagarinho, assim a modos cansada.
Cabelos brancos de lua,Os olhos rindo de manso:― Era uma vez uma história…
Ai, netinhos, se eu me canso!
E os netos do mundo ouviam… ai!, mas o que ouviam os meninos do mundo? Uma história misteriosa…
Conta a história toda, toda,Sem tirar sequer um ponto!Pediam os meninos do mundo, Que a avó contasse o conto.
A avó sorria. Estremecia devagarinho, como se fosse uma árvore que o vento abanasse. E os netos do mundo escutavam.
É o vento da memória Que me faz estremecer:Meu coração lembra a história…
Escutem, que o ouvem bater.
E os netos, pelo mundo, ficavam muito calados a escutar a história do coração da avó.
Ai! Se a memória não falha!
Era uma história, era, era…
Era uma história passada
No tempo da Primavera.
E os meninos do mundo escutavam. E repetiam:
Era uma história, era, era…Era uma história passada
Era uma história lembrada
No tempo da Primavera.
E a avó sorria contente, o coração a bater de alegria. E continuava…
A história de uma menina
Que vivia num pinhal:
Seus brinquedos eram pinhas
Em cestinhas de cristal.
Em cestinhas de cristal.Que vivia num pinhal:
Seus brinquedos eram pinhas
Em cestinhas de cristal.
Cristal da neve dos montes.
Feita de estrelas de água, Água gelada das fontes.
Nas agulhas dos pinheiros Cantar o vento ela ouvia
E com o vento cantava O canto da cotovia.
E o cuco com seu cu-cu,O gaio com seu piu-piu
Eram caixinha de música Como nunca ninguém viu.
E os netinhos do mundo ouviam, ouviam. E a mulher, velha, muito velha, velhinha mesmo, continuava a contar…
Cabelos brancos de lua.Os olhos rindo de manso:
― Era uma vez uma história…
Ai! Meninos, se eu me canso!
― Continua, Avó, continua! ― pediam os meninos.
Mas deixem que eu vou contar,Se me não falha a memória:
Também tinha pombas brancas
A menina desta história.
E rolas mansas, cinzentas,Com o seu canto a rolar:
Tanta ave no pinhal,
Tanta asa para voar!
E pelo chão do pinhal,Também tanta vida havia:
Formiguinhas de silêncio
Que cantavam a alegria.
E tantos outros bichinhos
De conta, conta a contar.
A viverem pelo chão Com segredos pra escutar.
E a avó ficava-se a olhar para o chão poeirento do pinhal cheio de segredos e de caruma.
E os meninos também olhavam muito curiosos para o chão poeirento do pinhal e escutavam os segredos dos bichos pequeninos, das agulhas mortas dos pinheiros.
Mas, ai!, que a avó, de repente,
Gritou: ― Ai! O que é? Que é?
Uma verde lagartixa
Fez-me cócegas no pé!
Gritou: ― Ai! O que é? Que é?
Uma verde lagartixa
Fez-me cócegas no pé!
E os netos do mundo riam, riam, com o susto (pequenino) da avó.
Mas, ai!, que a avó, de repente,Outro gritinho soltou:― Uma formiga, na perna,Aqui mesmo me picou!
E os meninos do mundo riam, riam. Oh! A avó tinha tanta graça!
Agora a avó não estremecia como se o vento a abanasse, docemente, mas dava um pulinho de pulga e coçava a perna picada pela formiga.
― Ó avó, conta, conta! ― pediam os meninos a rir.E os meninos não paravam de pedir: ― Ó avó, conta, conta!
Ai! Se a memória não falha,Era uma história, era, era…
Era uma história passada No tempo da Primavera!
Mas a avó parou outra vez, de repente, parou de contar. E deu outro pulinho:
Ai!, as minhas encomendas!Rápida como uma seta,Em meus cabelos de lua
Meteu-se uma borboleta!
E os meninos riam, riam!
― Deixa lá, avó! Continua a contar!
E a avó continuava, coçando a cabeça de luar, de onde voou uma borboleta amarela.
E a avó continuava:
Ouviu-se uma trovoadaE a menina do pinhal
Deixou cair, assustada,A cestinha de cristal.
A cestinha de cristal,Cristal da neve dos montes,
Feita de estrelas de água,
Água gelada das fontes.
E as pinhas, seus brinquedos,Da cestinha de cristal,
Eram verde, verde-pinho
Que rolava pelo pinhal…
E calou-se a trovoada
E rebentaram as fontes; E flautas de vento verde
Varriam campos e montes.
Nos ninhos abriam ovos.
Eram asas para voar: As agulhas dos pinheiros
Já tinham novo cantar.
E a menina do pinhal
Já tinha outro brincar:
Com uma saia de giestas
Não parava de dançar…
Xaile de chuva, fininho.
Franjas de sol a voar.
A menina do pinhal
Não parava de dançar…
Com sapatos rosas bravas
Não parava de dançar:
A menina do pinhal
Já tinha outro brincar…
E depois de contar isto tudo, a mulher, velha, muito velha, velhinha mesmo, a avó dos meninos do mundo, ficou estafada. Suspirou três vezes: Uf! Uf! Uf! Ah! Ah! Ah! Mas estava tão contente! Que alegria no pinhal e pelos campos! Agora podia descansar.
E agora, meninos do mundo.Vou dormir devagarinho.
Deitada em cama de nuvens, Coberta de rosmaninho…
E os meninos do mundo fizeram sinal uns aos outros ― Schiu… ― para se calarem, com os dedos indicadores (os furabolos) diante da boca, em sinal de silêncio, para que a avó pudesse adormecer ― Schiu… Schiu… Schiu…
E embalaram a avó, num cantar amigo, quase calado:Já sabemos o segredo.
Era uma história, era, era…
Era uma história passada
No tempo da Primavera!
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