segunda-feira, 22 de junho de 2015

HISTÓRIA DE PERSIFAL

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A HISTÓRIA DE PARSIFAL




Vinde, meus netos, lá fora o vento arranca as folhas; o céu está tão escuro, aqueles pinheiros, ao longe, parecem negros! Vinde. Eu vou contar-vos uma história toda da luz. Vereis como o vento se cala muito depressa para vir escutar também. Sentai-vos, assim, bem perto de mim. Vou mostrar-vos entre todas as lendas a mais linda. Vou contar-vos a lenda de Parsifal.
Era uma vez uma pobre mulher que amara muito um guerreiro, um forte guerreiro, uma dessas almas ansiosas de conquistas, de glória. O guerreiro partira um dia para o Oriente. A necessidade de feitos maravilhosos fechara-lhe os olhos às lágrimas da mulher. O guerreiro partiu… e nunca mais voltou.
Contaram depois à triste mulher abandonada que um traidor o matara, à falsa-fé. A triste pegou no filho, uma criança pequenina e desapareceu com ele, na floresta.
Nunca o filho poderia saber que se fabricavam armas com que os homens se matavam uns aos outros; nunca, nunca aos seus ouvidos chegariam feitos da cavalaria, as leis da cavalaria…
Habituá-lo-ia ao doce marulhar da floresta, nas manhãs de Primavera. Aprenderia a sorrir com as flores. Pelas tardes de Verão, havia de mostrar-lhe a macieza da terra, todos os tesouros do sol sobre as árvores, e, à noite, debaixo dos olhos das estrelas, contar-lhe-ia como eram felizes em paz, encostados ao peito da natureza. A mãe pensava assim. Mas guardemos o filho de um leão dentro de uma sala. Cresce; e, um dia, o mistério da sua força estala nele. As portas da prisão voam em estilhaços. O leão sabe que é o leão e que a selva, a grande, está à sua espera!



 Também Parsifal, o rapaz que a mãe tentara criar com o leite da brandura, um dia… acordou!
Passam na floresta uns cavaleiros armados. Parsifal pára, deslumbrado, contempla-os. As armaduras, as armas fascinam-no. São mais belas do que todas as danças da luz nas clareiras do seu reino. Os cavaleiros falam. Vêem-no belo, resoluto, robusto, tão claro, tão inocente, e põem-se a contar:
— Há longe daqui um rei maravilhoso, o rei Artur. Os teus olhos parecem puros, transparentes. Tu poderias talvez ser recebido por ele. Servem-no doze cavaleiros – entre os mais nobres, os escolhidos, a flor da cavalaria. A sua corte é um paraíso de claridade. Ser cavaleiro é a carreira mais gloriosa que um homem pode desejar!
— E o que preciso de fazer para ser cavaleiro?
Riem alegremente os moços. As árvores sussurram, brandas, de atalaia. E os cavaleiros respondem:
— Ser cavaleiro é ter um braço forte; é ter uma chama a arder sempre no coração; é defender os fracos, corrigir as injustiças, levantar bem a cabeça e lutar por um ideal.
Parsifal treme; o deslumbramento apodera-se dele. Nunca ouvira palavras tão estranhas. O seu cérebro inocente compreendia, exaltava-se. As lágrimas da mãe correm, correm, não podem fazer parar o desejo do filho. Como suster o curso de uma torrente de lava?
Parsifal partiu. A mãe ensina-lhe todas as regras da cavalaria trocadas, para que o filho seja mal recebido, se aborreça e volte. Não se lembra: a águia, para se erguer no ar, não precisa que lhe apontem os picos mais altos da montanha! Diante do olhar mago de Parsifal, desenrolam-se, claras, as páginas do Livro da Cavalaria. Espera-o o rei Artur – o rei dos heróis! Para ser recebido à sua mesa, é necessário ter vivido só para amparar os fracos, proteger as mulheres e as crianças, libertar os que estão injustamente encadeados; é preciso sentir, como facho ardente, a necessidade de erguer em cada dia a própria virtude até às estrelas.





Parsifal combate, Parsifal arranca todas as flores do heroísmo e chega assim à corte do rei Artur. As façanhas de um herói têm asas, vão muito longe. Até a luz do sol as quer contar. Parsifal é recebido com alegria, é armado cavaleiro. Não mais forte, mas mais feliz, parte de novo, com novo ardor. Uma princesa geme no seu castelo, sitiada pela ferocidade de centenas de inimigos. O braço de Parsifal, como só deseja o bem, tem força para a libertar. Sempre as princesas casam com o herói que vem salvá-las. Mais rebrilhante ainda de glória, com mais pontos de luz sobre a armadura, Parsifal chega ao castelo do Santo Graal. Que castelo é este? É um castelo muito alto sobre nuvens. Tão grande, tão maravilhoso, não tem igual… Numa das salas, a que tem janelas sobre o espaço azul, sem fim, – um azul que nunca se turva, pois se as nuvens ficam por baixo! – nessa sala é guardado por espadas de luz o Santo Graal, uma taça de jaspe imaculado.
Segundo a lenda, o sangue de Jesus teria sido recolhido nesta taça por José de Arimateia. José de Arimateia morreu e os anjos sustentaram no ar a taça onde caíra o sangue que salvou a terra. Uma vez, um rei (chamava-se Titurel) subiu uma montanha muito alta, a montanha da Salvação, a montanha de Monsalvat, ergueu sobre a montanha maior o castelo mais alto, mais resplandecente; e os anjos vieram entregar-lhe a taça abençoada. Todos os que guardavam a taça ficavam puros, limpos de todos os desejos inúteis. Os olhos que podiam olhar o jaspe ardente, onde caíra o sangue de Jesus, como iriam eles procurar as coisas da terra?
Por si próprio, nenhum cavaleiro encontraria o castelo no monte da Salvação. A voz do Senhor, distante, chamava e só os que a ouviam, podiam atravessar a floresta, uma floresta tremenda, eriçada de picos, a velar aos olhos que não eram dignos o castelo do mistério. Se o cavaleiro passava e não perguntava pelo Santo Graal, se chegava junto da taça maravilhosa e não queria reconhecer o milagre, cerravam-se todas as portas, ficava cá fora, ao frio, na escuridão.
Reparai bem no caminho seguido pelo herói. A corte do rei Artur é a cavalaria da terra, são os grandes feitos sobre a terra. O castelo do Santo Graal, lá mais em cima, é o castelo dos cavaleiros de Deus, dos heróis de Deus. Parsifal penetra no castelo. É rei precisamente um tio de Parsifal: Amfortas. O golpe de uma lança envenenada atormenta o rei Amfortas num sofrimento horrível. Só poderia sarar quando um cavaleiro ouvisse a voz de Deus, desejasse ver o milagre do Santo Graal. Parsifal chega. É recebido com alegria, mas ainda não está preparado! Não sabe ver, não sabe sentir a proximidade do poder maravilhoso. Não pergunta, não deseja ver… e as portas do castelo da Felicidade fecham-se tremendas sobre ele. A nova corre. Os cavaleiros do rei Artur expulsam-no também.



Cheio de desespero, desorientado, Parsifal erra pelo mundo em quatro longos anos da pior amargura – a desconfiança de Deus. Sofre, chora, calca todos os espinhos da floresta eriçada de picos em torno do castelo ideal.
Um dia, os seus olhos, cheios de uma desolada dor, sentem uma vibração estranha no ar. Estaca, profundamente comovido, abalado em todas as fibras do seu ser. Vinha ao seu encontro um eremita – aquele que compreende todos os segredos, porque soube expulsar do corpo todos os desejos. O eremita começou a falar, contou a história de Jesus, falou do doce milagre, mostrou nos olhos enternecidos toda a força, todo o resplendor do Santo Graal.
Parsifal tinha sofrido muito, tinha aberto com o sulco fundo das lágrimas um caminho para o próprio coração… Parsifal compreende, agora. Dos olhos que levanta ao céu foram-se todas as sombras do orgulho, todas as razões da glória vã.
Parsifal cai de joelhos e o Eremita, o justo, vê nele o futuro rei do Santo Graal – porque se prostrou humilde, iluminado. Parsifal, banhado por uma força invencível, parte para a corte do rei Artur. Caminha. Vence todos os cavaleiros. Caminha. Sobe, desta vez contrito, consciente, a montanha da Salvação. Entra e aproxima-se do Santo Graal.
O rei Amfortas sente fechar-se-lhe a ferida inclemente, a ferida horrível. Parsifal soubera encontrar o caminho, apoiado à dor, ao arrependimento. Parsifal é aclamado rei do Santo Graal. A suprema glória cai sobre a sua cabeça.
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Calou-se a avó. Parece cansada. O José ergue-se, olha pela janela. Já não pode mais. É tudo tão estranho! O Manuel, vibrante, pergunta:
— Avó, essa história é verdadeira?
Fica-se a Avó a sorrir e fala muito devagar… Deixa cair as palavras uma a uma, para que os netos recolham os bagos vermelhos e mais tarde os passem a outras bocas com fome.
— Tu perguntas, Manuel, se a história do Parsifal é verdadeira? Ela é a verdade… que nos ensina a olhar para as estrelas!





Maria de Castro Henriques Oswald

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